Este livro tem, a meu ver, um valor íntimo que vai além de seus argumentos, cuja força, pelo peso e pela amplitude da erudição, se impõe ao leitor desde as primeiras linhas. Argumentos sempre podem correr o risco de obscurecer, sem logr ar garantir, o efeito estético que pretendem justificar a doutrina reiterada a cada passo estará sujeita à contestação, se o ponto de vista de quem lê for diverso do exposto. No entanto, uma coisa é irrecusável: a paixão medular com que o autor pers egue seu alvo, através da arte da tradução e da crítica, nos mais diferentes textos, da Bíblia ou da poesia chinesa, à poesia contemporânea ou a um teatro de nenhures. A qualidade das traduções salta à vista. Por via delas, o que de fato ele b usca é algo que se esquiva e só a forma revela. Os textos traduzidos, com sua variedade, dão testemunho do vasto percurso e da complexidade do trabalho. Ligada ao prestígio da História no quadro das humanidades, principalmente brasileiras, a i deia de que apresentar um autor, ou uma obra, ou toda uma literatura, é explicitar-lhe a circunstância nada tem de inocente. Convive com um deslizar da interpretação do fato para o próprio fato e dispensa o observador, ele mesmo histórico, de assumir sua narrativa como narrativa. Tomemos um exemplo. Nossos românticos cantaram o país, sua natureza, seus primeiros homens, a palmeira e o sabiá, tal como os viram, desde seu ideal estético. Buscando alcançar, assim, a essência do espírito naci onal, e escrevendo para um público nascente, consumidor de ideias e de folhetins, difundiram junto a ele este seu imaginário. Então, deu-se por estabelecido que aí começava o país, e que pensar a literatura era pensar a nação, e vice-versa. De deslizar em deslizar, a equação tornou-se prestigiosa nos altos foros acadêmicos, e ao intelectual brasileiro passou a apresentar-se como iniludível a questão da formação, a ser posta nesses mesmos termos. É disso que trata O sequestro d o barroco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos: das origens estabilizadas, de seu corolário simétrico, os fins acabados, e daquilo que desse enredo se exclui, o que vem antes do começo. São dois movimentos lógicos, um genealógico, o outro teleológico, e um terceiro movimento de subtilização freudiana da infância pátria e do que não lhe seria próprio, o barroco literário. Incômoda para ouvidos delicados, a palavra “sequestro”inspirada em Mário de Andrade, que a to